domingo, setembro 10, 2006

PAULICÉIA CRÔNICA II

Constatação:
O Hipopótamo Zeno já tinha alertado – mesmo sem ver – e esta coluna lombar foi lá conferir:
A Exposição Deuses Gregos, na FAAP, é um mezzo fiasco.
Mezzo
porque, como brasileiros, devemos estar gratos (até com certo espanto), pela oportunidade de ver de perto estas obras-primas pertencentes (ã-hã) à coleção Pergamon, de Berlin.
Sinceramente, se eu fosse o curador deste museu alemão, ao ver as notícias sobre São Paulo sob o domínio de facções criminosas – (ligadas inclusive ao roubo do Banco Central!), mas não emprestava era nadica de nada... weiss füder! Mas sabe como é, ladrão que rouba ladrão, dever ser o motto nesse meio cultural... pelo menos o meio cultural que frequenta a casa do Gilberto Gil, mas essa é outra história. Onde é que eu tava, messsm?
Ah, tá. Pois é. Já expliquei o mezzo, agora falta explicar o fiasco:
Exatamente como o Zeno disse (leiam o post dele e os comentários lá, vale a pena), a montagem da exposição, com aquela tentativa fracassada de inserir as obras em seu contexto, resultou numa coisa similar a, digamos, um carro alegórico de escola de samba do grupo de acesso. E de São Paulo! Não vou nem repetir o que ele disse, só acrescentar: menosprezaram demais a capacidade de abstração do público. Templo Grego de Liliput, só se for...
Vou tratar apenas dos aspectos que o Zeno não mencionou, porque ainda não viu:
- A idéia dos espelhos d’água foi sub-aproveitada. Poderia funcionar bem para refletir as esculturas, notadamente a do Narciso E, de quebra, ajudar a formar alguma espécie de itinerário entre as obras. Isto não acontece. Não há setas, nem indicações; o público percorre a exposição a esmo, gente pra todo lado, andando em todas as direções. E muita, mas muuuuita gente mesmo, tipo, impraticável – e não há limitação do número de pessoas por vez no recinto.
- Sobre as senhoras de cabelo azul de Higienópolis, mencionadas pelo Zeno: não as vimos, mas lá estavam as indefectíveis cabeças progressivadas, em matilhas, o que nos remete a outro ponto questionável da exposição: a gratuidade.
Não sei se por questão de divulgação ou sei lá, o fato é que não parecia haver ali alguém que não pudesse pagar. Poderiam dar gratuidade a estudantes, por exemplo. Se o dinheiro arrecadado com a venda de ingressos pudesse de algum modo contribuir para bancar uma montagem à altura do patrimônio ali exposto, acho que valeria a pena.
- Imaginem que os textos explicativos estavam escritos pelas paredes, a uma altura inalcançável, em parágrafos imensos, escritos em letras minúsculas. Só faltava ser em grego. E se alguém fosse parar pra ler aquilo, interromperia o já caótico fluxo de pessoas, uma vez que os tais textos ficavam nas paredes atrás das obras.
- O espaço e o dinheiro empregados para fazer aquele arremedo de templo grego (que aliás mais parece uma portaria de empreendimento imobiliário), poderiam servir para exibições multimídia: filmes sobre a história, as escavações, o Museu, tantas coisas para acrescentar e enriquecer a experiência...
Poderiam, no mínimo, imprimir folhetos e distribuir.
Enfim, um tiro n’água, uma oportunidade desperdiçada por amadores.

Assisti à mostra com dois amigos, um grande e um pequeno.
O grande questionou a presença de (boas) réplicas em gesso, misturadas aos originais em mármore, bronze e terracota. Novamente por conta da tentativa de contextualização. Neste sentido, a única coisa que funcionou bem foi o mix entre os relevos reais e as fotos em escala natural do frontão de onde saíram. Esse efeito ficou muito bom e poderia ter sido mais explorado.
Meu amigo pequeno saiu de lá dizendo que o bom mesmo foi ver toda aquela gente com o pipi e a bunda de fora. E quem há de contestar?

Nota: sete e meio. Vale a pena, sim.
Afinal, quando é que tu vais a Berlin? Então, cala a boca e aproveita, que é di grátis.

8 comentários:

Giulia disse...

Di gratis, tudo bem. Mas eu tô cheia dessas exposições onde a obra é o de menos e o projeto é o de mais. Não é isso que tá acontecendo? A curadoria quer aparecer mais do que as obras. Na exposição do Picasso tinha umas esculturas que não dava para ver de todos os lados: elas estavam inseridas dentro de um "furo" e se quisesse ver o lado de trás tinha que dar a volta na rampa! Vocês dse Sampa viram a exposição das fotos de Dom Pedro no finado Banco Santos? As fotos eram espetaculares, mas criaram um labirinto escuro prá dar um clima de época. Eu acho que é uma tendência atual: o curador querer aparecer mais do que a obra, o jornalista querer aparecer mais do que a notícia, o vendedor querer aparecer mais do que o produto... Sei lá, tô muito de saco cheio com tudo isso.

Camarada Arcanjo disse...

O seu texto flui. Uma delícia ler você. rsrs

CrissMyAss disse...

(Fica vermelha, cara sem-vergonha).

Anônimo disse...

giulia, concordo em tudo com vc, só acho que a exposição de D. Pedro II no Banco $anto$ foi impecável. E graças à curadoria

Anônimo disse...

Xiiiii,Gugala, você não é da curadoria, é??? (Se for, me desculpe, não é nada pessoal.) Olha, eu saí de lá com fotofobia, não enxergava nada fora do prédio... Mas você tem razão, não foi tão mal. Eu tenho uma visão talvez um pouco (pouco? rs) antiquada, eu gosto de ficar horas vendo as obras e tudo que atrapalha me incomoda. Aqui em Sampa, por exemplo, o melhor lugar para exposição, a meu ver, é o Inst Tomie Ohtake. Que lugar gostoso! As salas são enormes e quadradas, geralmente no meio não tem nada e é comum ver um grupo de escola sentado no chão comentando na maior animação. Outro dia umas crianças de uns oito anos tavam vendo pintura abstrata e o professor tentava provocar: "Então, vocês acham mesmo que se é abstrato o pintos não pensou em nada? Mas esses traços não são meio geométricos?" E um molequinho: "É mesmo,ele deve ter pensado, sim!" Que delícia! Aliás, qual a percentagem das escolas brasileiras que levam o aluno para as exposições? Tô começando a aderir ao projeto de "Escólia de rodínias" do Seu Creysson!

Anônimo disse...

giulia, antes fosse. Estaria, no máximo, preso com alguns milhões em alguma conta. Melhor que estar 'preso' e duro.Na verdade eu gostei exatamente disto na exposição de D. Pedro: aquela escuridão. bj

Anônimo disse...

Ainda sem ter visto, Criss, concordo com todas os comentários assustadores ("espelho d'água"?? caraca! Shopping Lar Aricanduva...), mas acho que o problema da gratuidade merece uns pitacos: a exposição não ficaria melhor se fosse cobrada, já que rolou patrocínio pica grossa pro evento. Nem a cobrança seria bom instrumento para diminuir as filas dentro dos ambientes: pra isso, bastava um pouco de organização pra controlar o número de pessoas presentes a cada leva.
Sobre as fotografias, você acertou na mosca: quando comentei com uma amiga sobre os problemas que achava que iam rolar, ela me disse: "por que eles não botam uns paineis fotográficos gigantes pra dar conta da contextualização, em vez dessa cenografia toda?". É isso aí.
[e ruborizado fiquei eu pela menção ao textinho do blog, que já saiu da nossa página principal há um tempo; pra quem se interessar, segue o link: http://zeno.locaweb.com.br/index.php?itemid=2435]

CrissMyAss disse...

Não sugeri diminuir o público, pelo contrário, observei que não havia pessoas mais pobres no evento.
Bem, acho que elas só devem ir via excursão escolar... Local e localização intimidam um pouco, aparentemente...
Também acho que um limite de gente por vez, na porta, é a solução.
Sugeri cobrar não pra elitizar a mostra, mas para "sobrar algum" para coisas que faltaram, como os recursos multimídia, tão criticados mas que, desde que foram introduzidos, aumentaram muito o interesse do público em geral pela arte.